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21 de out. de 2011

RIO DAS TRIPAS: ESSA É A MINHA HISTÓRIA...



    Oi, meu nome é “Rio das Tripas”, muitas pessoas acham que o meu nome é Camurujipe, mas sou um dos afluentes do Rio Camurujipe.  Pouca gente sabe, mas sou considerado um dos mais importantes rios para a história da cidade e minha nascente é na Barroquinha. Já fui um dos principais mananciais de abastecimento de água da cidade, até a década de 70, quando o último dos meus diques, o do Calabetão/ Mata escura, foi fechado, por ter se transformado em uma imensa bacia de esgotos.

Fiz esse Blog para que as pessoas aprendessem um pouco sobre a minha história.
Veja como tudo isso aconteceu...

Salvador, século XVIII


UM POUCO DE HISTÓRIA

    As primeiras alusões à existência de um matadouro público em Salvador, situam-no no século XVIII, na área contígua ao Mosteiro de São Bento, denominada à época de Hortas de São Bento e situada onde atualmente fica a estação Barroquinha. Durante todo século XVIII, e até o início do século XIX, foi ali que existiu o Matadouro Público, ainda abastecido do gado que vinha pela Feira do Capoame. Em vários espaços próximos às Hortas de São Bento, existiram currais menores onde o gado esperava o abate, desde o dia anterior, para a madrugada do dia seguinte.

Hortas de São Bento, local de matança de gado no século XVIII e início do XIX.

Salvador, início do século XIX


A ORIGEM DO MEU NOME

Nesse tempo, uma Comissão de Higiene Pública, que atualmente conhecemos como Vigilância Sanitária, estabeleceu que não era apropriado às pessoas, viverem sob os riscos que a matança e os dejetos oriundos dela, ocasionavam á saúde da população soteropolitana oitocentista; convém lembrar que os dejetos, as vísceras e as carcaças das reses abatidas, eram jogados ali mesmo, ou seja, nas minhas águas, aproveitando-se do córrego que ainda hoje passa pela localidade e que se convencionou chamar popularmente de “Rio das Tripas”, exatamente por receber esse material, que rapidamente entrava em decomposição, e provocava muitos incômodos, como o mau cheiro e doenças transmitidas por diversos agentes, como ratos e inseto. “(...) Das hortas feitas no brejo limite da doação saía o rio que foi durante anos a vala da cidade, defesa natural da parte leste – a mais vulnerável – do sítio primitivo da cidade. Lá, à margem, tão logo houve gado disponível, fizeram-se os abates para consumo dos moradores. Das vísceras lançadas no curso d’água, um topônimo – Rio das Tripas. Para entulhar o alagadiço, fez-se da orla do pântano o depósito de lixo da cidade (...)”.
Entenderam agora porque me chamam assim?!


20 de out. de 2011

Salvador, início do século XIX


E O TEMPO PASSOU...

      Nas três primeiras décadas do século XIX, a situação pouco havia mudado, mas as autoridades públicas já apontavam sobre a necessidade de providenciar a drenagem (dessecação) e limpeza, da região onde existia o Matadouro, devido à sua proximidade do centro urbano. Iniciou-se então, em 1849, o projeto de alargamento, limpeza e cobertura do canal pluvial do Rio das Tripas, que se denominou “Rua da Vala”, sendo concluída a sua primeira etapa somente em 1862, chegando até às imediações dos campos do Barbalho. Construída ao longo de vários anos, e em várias etapas, a Rua da Vala, iniciava-se exatamente nas Hortas de São Bento e descia em direção ao Largo das Sete Portas, daí até o Largo dos Dois Leões e depois indo em direção ao Engenho Retiro e às chácaras do Cabula, como mostra o fragmento de mapa abaixo:


Rio das Tripas – Rua da Vala ou ainda das Hortas


Salvador, início do século XX


ÁGUAS SUBTERRÂNEAS NA BARROQUINHA

No início, a Baixa dos Sapateiros era apenas aquele trecho abaixo do Pelourinho, entre o Passo e o Taboão. Entre as décadas de 60 e 70 do século XIX, alguns vereadores contrataram José de Barros Reis para cobrir a vala e transformá-la numa rua. Barros Reis fez uma obra de engenharia e transformou a Vala da Cidade na Rua da Vala, que por extensão também passou a ser chamada de Baixa dos Sapateiros. Esta foi a primeira Rua de Vale que a Bahia teve, confirmando a minha importância.


A Vala da Cidade nascia na Rua da Barroquinha, atravessava a Praça das Veteranos e passava pela área que hoje é a Baixa dos Sapateiros até chegar aos Dois Leões, onde se encontrava com o Rio Camurugipe. O que boa parte do que hoje se conhece por Baixa dos Sapateiros era, na verdade, a Vala da Cidade.


Algo assim! Foto aérea do local. Atual Av. J.J. Seabra ( Bx. dos Sapateiros). O traço azul seria o Rio Camurujipe (Rio das Tripas) e as partes verdes as encostas elevadas; a do alto atingindo à Praça Municipal e a de baixo a Mouraria, Nazaré, também partes elevadas da cidade.



Salvador, início do século XX


RIO DAS TRIPAS: MEUS CAMINHOS...

    Pois bem! Como vocês já viram, eu recebi esse nome porque bem perto de mim funcionava o matadouro da cidade. Minha nascente é na Barroquinha, passo pela Baixa dos Sapateiros, Taboão, Aquidabã, Sete Portas, Dois Leões, e deságuo na Rótula do Abacaxi, no Rio Camurujipe. A maior parte do meu percurso é subterrâneo. Na altura do Corpo de Bombeiros, na Barroquinha, eu passo a seis metros da superfície, só ficando descoberto a partir da Sete Portas.

Salvador, século XX


OS REFLEXOS DO DESENVOLVIMENTO...

Pois bem! Eu fui canalizado em meados do século XVIII. No local surgiu a Rua da Vala, como vocês já viram, que posteriormente virou a Av. J.J. Seabra , atual Baixa dos Sapateiros. A obra se estendeu desde a Barroquinha até praticamente o Largo das 7 Portas. Posteriormente, em 1970, a antiga canalização foi substituída. Não houve nenhuma reação popular contra essa canalização, pois eu já era praticamente um esgoto a céu aberto. Não havia mais como me recuperar. 


Salvador, século XX


DESENVOLVIMENTO X POLUIÇÃO

Tomar banho ou beber de minhas águas é altamente arriscado para a saúde. São 14 quilômetros, desde a nascente do Rio Camurujipe, em Boa Vista de São Caetano, até a foz, na Praia do Costa Azul, num trajeto de intensa poluição, causada, principalmente, por despejos dos esgotos residenciais de dezenas de favelas que existem dos dois lados de minhas margens. O Rio Camurujipe corta bairros densamente povoados, como Boa Vista de São Caetano, Campinas, Calabetão, Bom Juá, Retiro, Rótula do Abacaxi, Pernambués, Stiep e Costa Azul. A área de sua influência é o principal campo de trabalho para as obras do Bahia Azul, que procura eliminar os pontos de lançamentos de esgotos, desde a minha nascente até o Iguatemi, onde sou desviado, através de um interceptor, para o leito subterrâneo do Rio Lucaia, até uma estação de tratamento, no Rio Vermelho, e daí para o mar, através de um emissário submarino. Na área de sua nascente, o Camurugipe forma dois importantes diques, que até meados deste século integravam o sistema de abastecimento de água de Salvador. O principal era o Dique de Campinas de Pirajá, ligado ao Dique da Boa Vista, (ou do Ladrão) e deste, atravessando a BR-324, à represa do Calabetão/Mata escura. Recebe as águas de antigos afluentes da Bacia do Calafate (Fonte da Bica, na San Martin), de outro, que desce da encosta do bairro do IAPI, e mais adiante, na Rótula do Abacaxi, do Rio das Tripas. No Iguatemi, forma um outro braço, o Rio Lucaia, e segue (agora em leito seco), até a orla, desaguando no Costa Azul.
Igual situação aconteceu comigo, o Rio das Tripas, que sou um dos principais afluentes do Camurugipe, encontrando-o na altura da Rótula do Abacaxi. Recebendo esgotos das encostas de Brotas, do IAPI e da Cidade Nova, eu, que tenho outro afluente no Largo dos Dois Leões, tenho a maior parte do meu trajeto, em galerias subterrâneas, exalando um intenso mau cheiro nos trechos a céu aberto, chegando a ter 20 metros de largura no trecho próximo ao Iguatemi. Recebo os afluentes da San Martin, IAPI (Loteamento Antônio Balbino), Barros Reis (Rio das Tripas) e formo, com um dos braços, o Rio Lucaia, quando deságuo na Praia do Costa Azul. 



Salvador, século XX


ESGOTO, LIXO E DESCASO...

É mesmo triste a minha história...
Quem vê a lavadeira Rosalina Santos Soeiro, retirando com um balde água de uma cisterna dos fundos de uma casa, no fim de linha de ônibus do bairro de Boa Vista de São Caetano, não imagina que ali nasce o rio mais poluído de Salvador: o Camurugipe. Ainda hoje, além dessa, outras quatro fontes fazem parte das nascentes do rio, de onde a população retira água cristalina para uso doméstico, contrastando com a realidade de esgotos, dez metros adiante, e que se estende por 14 quilômetros, até a Praia do Costa Azul, na orla marítima.
Portanto, desde o início de sua formação, o bairro não sofreu qualquer tipo de intervenção ou planejamento urbano que disciplinasse o seu crescimento e desenvolvimento ou mesmo, a criação de infra-estrutura que oferecesse condições mínimas de moradia para seus habitantes. Verificou-se (do mesmo modo que ocorreu em outros, bairros populares da periferia) uma ocupação desordenada e a revelia do poder público, que em momento algum se preocupou com o atendimento das necessidades básicas da população ali concentrada.
Em anos anteriores eram freqüentes os deslizamentos de encostas, com conseqüentes mortes e perdas materiais, que ao longo da última década foram combatidas com informação e apoio da população que foi conscientizada da importância de não jogar lixo nas ribanceiras.


Salvador, século XXI


JOGAR LIXO NO RIO = ENCHENTES

Tem atitude mais grosseira que atirar lata ou outros dejetos pela janela do carro? O Castigo para essa gafe é garantido: os resíduos despejados na rua são arrastados pela chuva, entopem bueiros, chegam aos rios e repressas, causam enchentes e prejudicam a qualidade da água que consumimos.




MAS MUITAS PESSOAS SE PREOCUPAM COMIGO...


“É impressionante a voracidade que a Cidade do Salvador tem em engolir os rios urbanos.”

Esse é o depoimento de um cidadão indignado com a situação em que eu e muitos outros rios de Salvador se encontram. Vejam mais alguns depoimentos...

Mas em Salvador, ah!  Salvador é diferente. Já perdemos nosso Rio das Tripas, que serpenteava ou serpenteia (quem sabe?) o subsolo da Baixa do Sapateiro; o Dique Pequeno, que banhava o Nina Rodrigues, e, nos tempos modernos, o restante do Rio das Tripas que hoje serve para absorver o impacto das minhas tentativas de perder a silhueta nas corridas quase diárias pela Avenida Centenário”. Rafael Faria Lima

“Será que não somos capazes de salvar nossos fiapos d’água? Torná-los habitáveis para os peixes? Transformá-los em piscinas para que nossos filhos (ou netos) possam jogar miolos de pães para peixinhos? Não somos capazes de criar um pista de Cooper ao redor de um rio sem precisar tapá-lo? Um pedacinho de ciclovia qualquer, já que a cidade quer ter a maior malha de ciclovias do mundo?”. Rafael Faria Lima

"Pegavamos água no riacho que descia onde hoje é a descida da Baixa do Camurujipe. Esse riacho era o rio Camurujipe, rio de águas cristalinas e saborosa,quando minha mãe lavava as roupas branca ficava alva como coco.Nessa descida era uma fazenda cujo nome não lembro ,mas sei que o dono era doutor Adilson,homem  generoso e deixava que a população pegasse água no riacho que cortava a fazenda”.  Terezinha Alves Cruz,67 anos.

“O Rio Camurujipe era limpo por demais! Tinha até peixe, lavavamos roupa com essa água que servia para tudo em casa.Saiamos todos os dia às 5 h da manhã para pegar água na Fonte da Bica ou na Fonte das Pedreiras”.   Maria Marta Barbosa dos Santos,72 anos.

Salvador, século XXI



RIO DAS TRIPAS PADECE SEM REVITALIZAÇÃO   

“Há 100 anos, o Rio das Tripas já tinha fama de acumular em suas águas os dejetos da cidade. As sobras dos sacrifícios do abatedouro de gado, que ficava localizado na Barroquinha, e do matadouro de porcos, onde hoje fica a comunidade de Pela Porco, tinham o Rio das Tripas como destino certo. Hoje, a história não é muito diferente. A variedade do lixo dentro do rio é tamanha que ele pode ser facilmente confundido com um esgoto, onde boiam mochilas velhas, móveis de madeira,colchões, sacos [...]”. Movimento Água é Vida

Pois é... Infelizmente o nosso costume é de empurrar o “lixo para baixo do tapete”. Isso acontece em vários momentos e também na questão dos rios.
Em Salvador o que deveria ser tratado como “veias” que levam vidas e beleza para toda a cidade, servem apenas como condutores de lixo e esgoto. A população reclama do poder público, um hábito conveniente, mas quem é que polui a cidade? O poder público, também por conveniência, diz atender ao que o povo pede. E o que o povo pede?
Chega de tanta hipocrisia. Ou a gente assume de vez que somos os maiores responsáveis por todos esses problemas, ou vamos continuar sofrendo as conseqüências de nossos próprios atos...

Moradores do Bom Juá e o rio passando logo atrás

Salvador, século XXI


É TEMPO DE PENSAR EM SOLUÇÕES

Não nos cabe mais ficar lamentando a respeito da poluição e degradação do Rio Camurujipe / Rio das Tripas. É chegada a hora de pensar em soluções.

Á exemplo do que foi realizado na Avenida Centenário e Imbuí, e do que está planejado para a Avenida Vasco da Gama e Rio Vermelho, com a cobertura em concreto dos rios que percorriam esses locais, nós das comunidades que estão no entorno do Rio das Tripas e do Rio Camurujipe, sugerimos que a Prefeitura Municipal de Salvador, em conjunto com os órgãos responsáveis, realize obras semelhantes a essas com os referidos rios.
As obras poderão servir para a construção de uma via exclusiva de ônibus no trecho da BR 324, na altura da Jaqueira do Carneiro até o largo do Retiro, melhorando assim, o trânsito no local.  Além de obras de macrodrenagem e urbanização na região, para evitar os alagamentos no local, além do alargamento das duas pistas da Avenida San Martin, o que evitaria os enormes congestionamentos que ocorrem diariamente no local.
A cobertura do Rio Camurujipe vai seguir os moldes do executado na Avenida Centenário, com urbanização de todo o trecho. Está prevista a construção de áreas de lazer, como pista de cooper, quadras poliesportivas e parque infantil sobre o canal, o que contribuirá como mais uma opção de lazer para toda a comunidade que convive com o rio.

FOTOS DO CANAL DO IMBUÍ REVITALIZADO